O Presidente da República - é bom não esquecer que falamos da primeira figura do Estado - veio na sexta-feira passada, em público e por vontade própria, queixar-se à nação das suas dificuldades atuais durante a maior crise das últimas décadas.
A primeira observação sobre estas declarações de Cavaco Silva é sobre uma habilidade. Cavaco omitiu - convenientemente - o valor da pensão que tem do Banco de Portugal, que é assim várias vezes mais que 1300 euros, o que é de uma desonestidade e desfaçatez a toda a prova; Depois está a meu ver a questão que importa mais a quem assiste a isto pela TV, completamente estarrecido: Portugal tem um chefe de Estado em segundo mandato - e que é só o político português com mais tempo em funções na democracia, apesar de Cavaco achar que está fora dessa classe - que não sabe onde está e parece não conhecer o mundo que o rodeia. A primeira figura do Estado em Portugal - só para lembrar - vem queixar-se das suas dificuldades pessoais apesar de ganhar milhares de euros por mês e de uma vida a ganhar excelentes ordenados para a média nacional, num insulto completo ao país. Cavaco certamente não sabe que faz parte dos 5 por cento - leram bem - de pessoas que ganham mais de 2500 euros por mês em Portugal. Aliás, deve fazer parte dos 4, 3 ou 2 por cento que ganham mais de 5 mil; O terceiro ponto é que, ao dizer isto e desta maneira, Cavaco Silva mostra um profundo desrespeito pela função que ocupa e revela - de uma forma ainda mais grave do que no passado - que desconhece as regras a que está sujeito. E que parece que até agora ninguém lhe ensinou.
Infelizmente, este novo episódio só confirma que todos os anteriores não foram por acaso: No passado recente, Cavaco tem-se mostrado pródigo neste tipo de declarações infelizes. Há cerca de um ano, durante a campanha das últimas eleições presidenciais, em que foi reeleito, Cavaco fez questão de revelar ao país o valor da reforma da mulher e também parte dos valores em que acredita e da sua mentalidade: "Ela depende de mim". Enfim. Como diria Fernando Lima, assessor do Presidente da República, "uma informação não domesticada constitui uma ameaça".
Já fora do campo das pensões, frases como "Para serem mais honestos do que eu têm que nascer duas vezes" ilustram bem a consideração que tem por si próprio e o que pensa sobre o resto dos cidadãos.
* Só uma coisa, para ficar claro. Talvez pareça, mas eu não tenho nada contra Cavaco Silva. Do que leio, admiro a forma como se empenhou ao longo da vida e como conseguiu ser bem sucedido e prestigiado na sua profissão. Cavaco tem todo o direito a ser como é. Simplesmente um Presidente da República não pode dizer coisas destas em público, falar aos portugueses de assuntos pessoais completamente irrelevantes, de uma forma que revela mesquinhez. Ou então temos um chefe de Estado mentalmente alienado e que não pode continuar a desempenhar estas funções.