Quarta-feira, 8 de Fevereiro de 2012

Hoje é dia "cascar" numa realidade que conheço bem. Ainda há dinheiro muito mal gasto no ensino superior. Conto-vos a história da Universidade do Porto que, com toda a certeza, não é um caso isolado no que toca a fundos mal perdidos. Antes de levantar todas as grandes e pequenas questões devo frisar, em defesa da honra dos docentes, que a maior parte das peripécias devem-se à obrigação de auto-financiamento actual das universidades e às fraquezas do ser humano.
Há anos que ouvimos falar de gorduras no estado e que é preciso cortar na despesa. No entanto, somos assombrados por constantes aumentos de impostos e o défice não tem como diminuir. Deixo algumas revelações para que se saiba onde cortar quando a crise chegar verdadeiramente ao ensino superior.
Para começar apresento-vos a tabela de vencimentos média dos professores universitários com exclusividade segundo a Portaria 1553-C/2008 de 31/12 (salvo prováveis actualizações). Na tabela são também listadas o número de horas de aulas semanais a que os professores universitários estão obrigados.
Categoria
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Vencimento mensal (€)
|
Número de horas semanais
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Vencimento por hora de aula aproximado (€)
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Catedrático
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5012,79
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6
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210
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Associado c/ agregação
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4296,68
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8
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140
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Associado
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3928,40
|
10
|
100
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Auxiliar
|
3601,03
|
12
|
80
|
* A abdicação da exclusividade implica uma redução salarial de 30% nos valores indicados (não se preocupem, ninguém abdica da exclusividade se não for para ganhar mais do que o valor de tabela).
* Às horas de aulas apresentadas adiciona-se ainda uma tarde de atendimento aos alunos (não se preocupem, só está presente no horário de atendimento quem quiser pois não existe instrumento que desincentive os professores a não permanecer no local de trabalho durante o período de atendimento).
É legítimo assumir que a categoria de um professor transmite a sua qualidade. Assim sendo, não é compreensível que quanto maior a capacidade de transmissão de conhecimento de um professor menor é o número de aulas que este lecciona.
Por outro lado, não se compreende o número reduzidíssimo de horas de trabalho dos professores universitários. Bem sei que preparar aulas na universidade leva o seu tempo mas também sei que o tempo utilizado na preparação de uma aula no início da actividade como professor é substancialmente menor do que no final. Quero com isto dizer que a preparação de uma aula por parte de um professor catedrático é muito mais rápida do que a de um professor auxiliar. Desculpem-me a franqueza mas considero que uma pessoa que apenas está obrigada a trabalhar 6 horas semanais a receber 5012,79€ por mês é toda ela uma gordura gigante. Se um professor catedrático pudesse leccionar 22 horas (e ainda sobra meia semana para investigação científica) à semelhança do que acontece com os professores do ensino básico e secundário seriam poupados perto 15000€ todos os meses por cada professor catedrático existente no nosso país.
Porém outras gorduras há! A exclusividade diz respeito ao não exercício de outra profissão para além de docente. Existe um número considerável de professores que têm as suas empresas (muitas delas criadas a partir da faculdade). Como são administradores, não retiram um vencimento dessas empresas realizando parte apenas da distribuição de dividendos. No entanto, sem perder um papel activo na gestão da empresa e os 30% de redução face à não exclusividade. A aparente exclusividade é por si só também uma grande gordura. O Exemplo mais caricato que há memória acontece também na Universidade do Porto. Um professor, administrador de uma grande empresa nacional (mas com exclusividade), cada vez que a sua profissão fantasma o impede de vir leccionar envia um dos seus funcionários para colmatar a sua ausência.
Há uns dias, um grande amigo, bolseiro de investigação, contou-me uma história hilariante. O responsável pela sua investigação (professor) comprou um iphone 4 com o dinheiro do seu projecto mas a factura veio com o nome do projecto errado. Azar dos azares, um outro responsável de investigação realizou exactamente a mesma compra na mesma loja e as facturas vieram trocadas. Esse meu amigo pago pelo projecto em questão, adquiriu temporariamente novas valências profissionais. Ficou incumbido de encontrar o outro professor que também tinha comprado um iphone 4 para proceder à troca de facturas para então ficar tudo resolvido. Através de dinheiro de projectos de investigação compra-se quase tudo para o uso pessoal, inclusive férias de luxo pagas no estrangeiro.
A questão que aqui se coloca é a seguinte: uma vez que as faculdades estão obrigadas a auto-financiar-se através destes projectos é legítimo que os promotores possam efectuar este tipo de compras para usufruto pessoal? A resposta é não, isso seria apenas mais uma gordura a somar às já enumeradas. O dinheiro é para ser gasto em investigação (pois tratam-se de projectos de investigação e desenvolvimento). Em caso de excedente, os fundos deverão ser canalizados para suprir alguns dos cortes que temos todos vindo a ser alvo.
Já o paradigma das licenças sabáticas é outra piada. Contam-se pelos dedos os professores que não aproveitam este tipo de gorduras para promoverem os seus projectos pessoais. E sabem quem paga tudo isto? Em cada 6 anos de trabalho, 1 é para investigação exclusiva. Porém, não existem mecanismos de controlo de tempo realmente utilizado para a finalidade da sabática. Não os culpem, eu próprio aproveitaria 1 ano de sabática para investir em mim, na minha família, nos meus amigos. Investigaria? Claro que sim! Mas com calma… até porque a partir de um determinado nível cientifico, a investigação deixa de ser directamente avaliável.
Também não nos devemos esquecer que caso apareça uma boa oportunidade de negócio, um professor pode sempre pedir uma licença sem vencimento e voltar no final de 1 ano, caso alguma coisa alguma coisa não corra bem. Não fariam o mesmo? Tanta gordura…
Não quero com isto dizer que todos são maus, antes pelo contrário, conheço bons exemplos de professores que nas horas em que não estão a “dar” aulas aproveitam para desenvolver investigação científica e apoiar os alunos nas suas mais diversas dúvidas. No entanto, tal prática não pode ser só trabalho voluntário. Quanto às restantes gorduras: é preciso cortar pela base. Oh não, mais uma greve!
De
JFC a 9 de Fevereiro de 2012 às 15:11
Ilustra bem o estado do ensino superior em Portugal. E retrata apenas uma das faces do problema, optimo texto!
Caro João, obrigado pelas palavras. Muito mais exemplos haveria se não houvesse o propósito de fazer um texto pouco maçador.
De Nao Fornecerei a 13 de Fevereiro de 2012 às 16:42
Os JFC e MFA não deviam estar lucidos quando escreveram os artigos e comentarios. E o que escreveriam se ou quando se doutorassem, se for caso disso? Sabem que a falácia é uma arma de 2 gumes. Aliás como a retórica e a acçao politica em Portugal, tudo hipocrisia da mesma porca.
Não se confunda horas/semana de docencia media por classe docente, com horas de servico efectivo para a Escola respectiva. SAO INCONFUNDIVEIS, e só por pura falacia se não explicitam detalhes.
Isso não signifca que tudo é perfeito, e que não existam ainda ou tivessem existido situaçoes graves que foram/são branquedas. E falo por conhecimento de causa porque sou docente universitario ha muitos anos.
O que me parece, o que é, efectivamente errado é a grande diferença salarial entre PC e PA com agregaçao. que efectivamente não deveria corresponder à diferença actualmente existente mostrada na tabela. E muitos, demasiados até, alcançaram tal estatuto nem com metade nem com 10% das exigencias e existencias actuais de muitos actuais concorrentes. Isso é grave, a diferença é grave, e INIQUA para um país que se diz democrático.
Quantos casos se conhecem de ascensão de "nadas"? Façam inquerito e ficarao admirados. E façam inquerito de situaçoes gravissimas de ASSEDIO MORAL continuado e criminoso, e sistematicamente branqueado.
E ate da estupidificação do sistema por haver departamentos em escolas que são o maior inimigo de si proprios, com sistematico abrir de vagas de conveniencia, prejudicando a evoluçao temporal em tempo util de muitos. Porque são asnos, maus ou doentiamente tiranos, ou combinaçao destes aspectos, com Colegas e com o suposto futuro da Escola que deveria ser de todos mas que feudalisticamente tratam e manipulam como coisa sua em táctica de "cosa nostra" isto é mafiosamente.
De teresa cruz a 11 de Fevereiro de 2012 às 01:14
Afirmar "Bem sei que preparar aulas na universidade leva o seu tempo mas também sei que o tempo utilizado na preparação de uma aula no início da actividade como professor é substancialmente menor do que no final. Quero com isto dizer que a preparação de uma aula por parte de um professor catedrático é muito mais rápida do que a de um professor auxiliar. Desculpem-me a franqueza mas considero que uma pessoa que apenas está obrigada a trabalhar 6 horas semanais a receber 5012,79€ por mês é toda ela uma gordura gigante." Não dou aulas no ensino superior mas tenho amigos que o fazem e não posso concordar com Miguel Amaral. Não se pode reduzir o trabalho de um professor ao número de aulas que dá e à preparação das mesmas. Existe muito mais trabalho: investigação, escrita de artigos literários e/ou científicos/..., coordenação/orientação de mestrados e doutoramentos e que não são poucos, avaliação contínua e exames, etc. Acho até que, comparando os seus salários com os educadores e professores do ensino básico e secundário, não se pode dizer que sejam bem pago. E não vale dizer que os últimos é que ganham demais!!! :)) E dar a Universidade do Porto como exemplo tb não foi feliz. Não foi considerada entre as 400 melhores do mundo?
De
JFC a 13 de Fevereiro de 2012 às 21:45
Caríssimo,
Penso que falo por ambos, e sem querer tomar a defesa cega de um companheiro de blogue, creio que o Miguel não tomou por exemplo absoluto o número de horas que os professores dão aulas e o seu rendimento bruto mensal mas sim a desproporção ridícula entre o trabalho efectivo dos professores universitários e o seu rendimento liquido. Não faço a minima ideia onde é que dá aulas, mas da realidade que eu conheço minimamente bem, posso com alguma segurança afirmar que o ensino universitário português é um nojo. Não nos prepara para o choque da vida profissional, não estimula para que o mais simples aluno tenha vontade de pensar fora da caixa, não fomenta o contacto com outras realidades. Nada. é tudo tão académico e tacanho que a mais singela experiência que fuja ao típico se torna « estimulante. Repito, que não conheço a realidade de todas as Universidades Portuguesas, mas hoje, e por acaso reparei a quantidade de empresas hoje líderes em diversos sectores tem os seus headquarters na zona de massachusetts. Como diria o Mário Jardel aqui há uns anos, Porque será?
Cara Teresa Cruz,
Antes de mais muito obrigado pela sua participação. De facto o artigo é polémico e claramente não espera unanimidade na crítica. A sua opinião é muito bem-vinda e traz à minha opinião o contraditório que, por si só, é louvável.
Chamava-lhe somente a atenção para dois aspectos:
Não foi meu objectivo defender que os professores ganham muito. Defendo sim, que os professores ganham muito face às suas obrigações efectivas (note-se, obrigações efectivas e não morais). Em relação aos exemplos que deu: investigação, publicação de artigos e orientação de teses; não existe nenhum mecanismo legal que realmente obrigue os professores a realizar este tipo de tarefas (i.e., apesar de recomendado, o professor só faz se quiser). Com efeito, trata-se de uma obrigação moral e não efectiva que apelidei de voluntariado mencionando que existem bons exemplos. No entanto, tem toda razão no diz respeito à correcção de exames mas lembremo-nos que durante período de exames normalmente não há aulas. Com efeito, as duas funções não costumam co-habitar.
O segundo aspecto diz respeito à posição no ranking de escolas da universidade do Porto. Relembro-lhe, a título de exemplo, que a Faculdade de Engenheira celebrou há pouco tempo 150 anos de existência e não é a mais antiga da universidade. Para um entendedor atento, o TOP 400 não é de todo lisonjeiro.
Caro Não Fornecerei,
Muito obrigado pela sua participação. Acabou por trazer inumações novas e valiosas como é caso dos concursos públicos para a “ascensão de nadas”. Enquanto aluno de doutoramento, não me transpira as influências e favores que se fazem sentir durante esses processos e os “zum zuns” que vou ouvindo não são suficientemente consistentes para os criticar em praça pública.
Em defesa da minha lucidez impera-me dizer-lhe que provavelmente o Prof. Não Fornecerei trata-se de um bom exemplar da classe docente. Pois só não confunde horas/semana de docência com horas de serviço efectivo quem realmente faz algo pela sua escola e se sente com a obrigação moral de fazer mais do que leccionar.
Pequena nota crítica: Para que não existam dúvidas, na palavra leccionar estão também aglomerados os seguintes conceitos:
- preparar as aulas;
- corrigir exames;
- ir às reuniões de departamento;
- marcar faltas;
- escrever sumários;
- Deslocar-se de casa ao trabalho todos os dias;
- Dar passos desde o gabinete até à sala de aula;
- Chegar 5 minutos mais cedo para optimizar o tempo da aula.
De Paulo Lopes dos Santos a 18 de Junho de 2014 às 22:39
É pena tanta ignorância e demagogia ... O autor deste texto não faz a mínima ideia do que é o trabalho dum professor universitário. Além da tabela estar errada, o autor deveria fazer um pouco de investigação (provavelmente é coisa que nunca fez na vida...) e ver os tempos lectivos e os salários dos professores universitários por esse mundo fora... Aliás, vê-se, pelo tipo de argumentos que utiliza, que nunca se preocupou em ver o que se passa nas Universidades. Mau caro amigo, ser professor universitário não é dar umas aulitas como pensam muitos ignorantes. Ser professor universitário é criar conhecimento científico, planear de raiz disciplinas produzindo os respectivos materiais pedagógicos e muitas outras actividades que não são visíveis , mas que se não fossem feitas, pode ter a certeza que que todos sentiríamos a falta. Fazer um texto como este é como dizer que actividade dum advogado reduz-se á barra dos tribunais, a dum médico a dar injecções , a dum político a dar umas entrevistas nos jornais, ou a dum jogador de futebol dar um chuto na bola durante os jogos. Pode ter a certeza que, no dia em que baixar o salário aos professores universitários, a qualidade das universidades descerá a pique, deixará de haver bons técnicos em Portugal, passaremos a ser um país de gente ainda mais pobre sem qualquer hipótese de progredir... Mas se calhar é este o sue desejo ...
De Anónimo a 1 de Julho de 2014 às 00:40
Lamento tanta asneira e desconhecimento... o que para quem conhece tão bem a FEUP não deixa de ser estranho. Ou não... o que significa que a FEUP não é o que se pensa ou então que anda a contratar jovens convidados à procura de tacho e que nem sequer percebem o que se faz numa Universidade. Antes escrever blogues destes, de facto...
De Bruno Coutinho a 8 de Dezembro de 2015 às 03:09
Este artigo é pura ignorância.
Dar aulas é uma pequena parte do que um professor universitário faz. A maior parte do professores catedráticos geram grupos de investigação. Por isso é que professores catedráticos têm menos horas de aulas.
E não, melhor conhecimento cientifico não significa que estas pessoas são boas a dar aulas a grande maioria dos alunos. Os melhores investigadores só dão aulas a alunos de doutoramento ou mestrado, porque não tê paciência, ou mesmo jeito, para explicar o básico a alunos de licenciatura.
Sobre os ordenados, estas pessoas andam a receber quase até aos 27-30 anos. Tirar um doutoramento não é fácil, muito sacrifico e pouco dinheiro. A única maneira do governo incentivar estas pessoas a fazerem doutoramento é terem ordenados decentes para professores académicos.
Sem falar de que muitas empresas andam a roubar estas pessoas extremamente especializadas com ordenados 10X superiores.
De U a 30 de Maio de 2017 às 12:58
Putz! Salariões, hein?
Muito mais altos do que na Espanha, onde um professor auxiliar ganha 2200€ (brutos).
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